Muito antes de os irmãos Wright alçarem voo, e até mesmo antes de balões de ar quente cruzarem os céus da Europa, um jesuíta italiano já vislumbrava máquinas voadoras riscando os céus. Seu nome era Francesco Lana de Terzi, e sua ideia de uma aeronave impulsionada por esferas de vácuo não apenas cativou mentes científicas do século XVII, mas o colocou na história como um dos precursores da aeronáutica moderna.
Neste artigo, exploramos em profundidade o legado de Lana de Terzi, o funcionamento do seu audacioso projeto e como ele anteviu, com espantosa exatidão, dilemas éticos e militares que viriam a acompanhar o voo humano séculos depois.
Quem foi Francesco Lana de Terzi?
Nascido em 1631, em Brescia, na Itália, Francesco Lana de Terzi era padre jesuíta, cientista, matemático e físico. Seu fascínio pela natureza e pelas leis do universo refletia a efervescência intelectual da época, marcada pelo pensamento racional, observação empírica e início do método científico.
Lana foi professor de matemática e ciências naturais e membro ativo da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa que, à época, se destacava pelo incentivo ao saber científico. Em 1670, ele publicou o livro “Prodromo” (Prodromo dell’Arte Maestra), no qual apresentou uma série de invenções e propostas para o avanço da ciência, incluindo sua mais ambiciosa criação: o navio aéreo.
O Projeto Visionário do Navio Aéreo
No “Prodromo”, Lana de Terzi detalha uma máquina capaz de voar utilizando esferas ocas de cobre das quais todo o ar seria removido, criando um vácuo. A ideia se baseava na recente descoberta do conceito de pressão atmosférica e no princípio de Arquimedes, segundo o qual um objeto imerso em um fluido (inclusive ar) recebe um empuxo igual ao peso do fluido deslocado.
Lana propôs um veleiro aéreo com casco semelhante a um navio marítimo, mas elevado por quatro grandes esferas de cobre, cada uma criando vácuo em seu interior para gerar sustentação. A locomoção seria feita pelo vento, com auxílio de velas tradicionais.
O projeto previa transportar até seis passageiros, e incluía cálculos matemáticos precisos para comprovar sua viabilidade teórica.

Ciência, Esperança e Impossibilidade Técnica
Embora o raciocínio científico de Lana estivesse muito à frente de seu tempo, as limitações tecnológicas do século XVII tornaram o projeto inviável. As esferas ocas de cobre, para serem suficientemente grandes e leves, teriam que ser extremamente finas — e, portanto, incapazes de resistir à imensa pressão externa exercida pelo ar ao redor.
Se tentassem criar o vácuo nessas esferas, elas simplesmente colapsariam como latas de refrigerante vazias sob compressão. Na prática, era impossível construir tal máquina com os materiais e técnicas disponíveis na época.
Mesmo assim, Lana merece reconhecimento por aplicar uma abordagem metodológica e científica à ideia de voo, utilizando cálculos, princípios físicos e raciocínio lógico — uma raridade em uma era em que o voo ainda era visto por muitos como mágica ou mitologia.
A Preocupação Ética de Lana de Terzi
Talvez o trecho mais surpreendente do “Prodromo” venha ao final do capítulo sobre o navio aéreo. Após apresentar os detalhes técnicos, Lana de Terzi expressa uma inquietante preocupação ética:
“Deus não permitirá que tal máquina seja construída, pois seria usada para bombardear cidades do alto, e nenhuma fortificação poderia protegê-las.”
Essa reflexão profética antecipava o uso militar da aviação, algo que se tornaria realidade nos séculos seguintes, com os zeppelins da Primeira Guerra Mundial, os bombardeiros da Segunda Guerra e os modernos drones. Lana não apenas projetou uma máquina voadora — ele vislumbrou as consequências morais e estratégicas do domínio dos céus.
O Legado de Francesco Lana de Terzi
Apesar de nunca ter saído do papel, o navio aéreo de Lana de Terzi ocupa um lugar importante na história da aviação. Ele é considerado por muitos como o “Pai da Aeronáutica”, não por ter feito uma máquina voar, mas por ter sido o primeiro a tratar o voo humano como um problema de engenharia a ser resolvido com lógica, matemática e ciência.
Seu trabalho inspirou gerações futuras de inventores e cientistas, como os irmãos Montgolfier, Santos-Dumont e os irmãos Wright. Em retrospectiva, pode-se dizer que Lana pavimentou a estrada conceitual que levaria o homem a conquistar o céu — e, mais tarde, o espaço.
Curiosidade: Por que o vácuo não é usado em aeronaves até hoje?
O conceito de vácuo para gerar sustentação, como imaginado por Lana, ainda permanece impraticável. Mesmo com os materiais modernos, criar grandes câmaras de vácuo leves e estruturalmente estáveis é um desafio quase impossível. É por isso que tecnologias modernas preferem o uso de gases leves, como hélio ou hidrogênio, ou sustentação aerodinâmica em asas.